terça-feira, 7 de abril de 2009

Carlota Joaquina: A mulher por trás dos bigodes


“A mulher era quase horrenda, ossuda, com uma espádua acentuadamente mais alta do que a outra, uns olhos miúdos, a pele grossa que as marcas de bexiga ainda faziam mais áspera.” A descrição, feita pelo historiador Octávio Tarquínio de Sousa no livro História dos Fundadores do Império do Brasil, traduz bem o modo como Carlota Joaquina Teresa Cayetana de Borbón y Borbón passou à história. Nascida infanta da Espanha em 25 de abril de 1775 e morta rainha de Portugal em 7 de janeiro de 1830, tinha um apetite sexual insaciável e um gênio irascível. Conspirou contra o marido dom João e o traiu a torto e a direito. Acompanhando a corte portuguesa em fuga, viveu no Brasil entre 1808 e 1821, mas nunca escondeu seu desgosto por abandonar a Europa. Figura controversa, Carlota tinha lá suas razões para ser assim – e expôs algumas delas neste bate-papo exclusivo.

História – Dona Carlota, a senhora foi acusada de ter sido infiel e uma conspiradora de mão cheia. É verdade?

Carlota Joaquina – Olha, digamos que eu levava uma vida meio tediosa, e sempre precisei de fortes emoções. Não tinha novela para a gente acompanhar na época, então eu criava meus próprios romances e intrigas, sabe?

Não, não sei. Quando eu nasci já tinha televisão. Mas sigamos: a senhora pode explicar a mordida que deu em seu marido na noite de núpcias?

Claro que posso. Eu me casei aos 10 anos. Já o João tinha 18. Quando ele começou a me agarrar, não tive dúvidas: acertei-lhe uma bela mordida na orelha. Depois disso, o fiz assinar um contrato dizendo que eu poderia consumar o casamento só aos 14. Tenham dó, né?

Mas, mais tarde, a senhora pegou gosto pela... “coisa”, não é?

Menina, nunca fui mulher de meias palavras. Se por “coisa” você quer dizer “sexo”, peguei sim.

Dizem que nem todos os seus filhos eram de seu marido...

E podem dizer mesmo! Eu tinha muitos amigos... Ok, amantes. E não é possível precisar a origem de todos os guris. Ainda mais naquela época, em que a gente não tinha exame de DNA. Mas não me envergonho nem me arrependo. Eu tinha opinião própria – só dei azar de ela nem sempre bater com a do senhor meu marido, aquele asno.

A senhora participou de um grupo de conspiradores que tentaram dar o golpe em dom João em 1805. Por que fez isso?

Em primeiro lugar, deixe-me esclarecer uma coisa: todo mundo acha que o João era um coitado, que vivia atormentado pela esposa pinel... Não é bem assim. Ele era bem esperto e suas decisões eram bastante políticas. Só que eu achava que ele não tinha pulso firme o suficiente para defender nossa estirpe, a nobreza. A Revolução Francesa já tinha chacoalhado todas as monarquias da Europa e, tempos depois, aquele pulha preferiu fugir do Napoleão no fim de 1807 em vez de lutar.

Mas a senhora acha que os portugueses teriam alguma chance contra Napoleão?

Ah, sei lá! E eu entendo de estratégia, agora? Mas preferia morrer lutando. Sou desse tipo. Tanto que, até o fim da vida, jamais deixei de tentar tomar o poder ou controlar as coisas.

E do Brasil, a senhora gostou?

Está tirando uma com a minha cara, menina? Pois você não sabe que, ao sair desse país miserável, bati as solas dos sapatos no porto e declarei que desta terra não queria levar nem o pó?

Pensei que fosse lenda.

É, talvez seja... Já inventaram tanta história a meu respeito que, para ser sincera, nem eu mesma lembro direito o que é fato e o que é fofoca! Não gostei do calor, dos mosquitos, do mato e de ficar meses sem ter notícias da Europa.

Agora, a pergunta que não quer calar: a senhora cultivava mesmo o buço?

Opa! E com orgulho. Afinal, desde pequenina ouvia o povo falar que “com mulher de bigode, nem o diabo pode”. Agora que conheço o tinhoso pessoalmente, posso dizer: é verdade.

* Clarissa Passos é jornalista e escritora, mantém o blog Garotas que Dizem Ni e assina uma coluna semanal no site de História

 
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