sábado, 28 de fevereiro de 2009

Fim de feira






Mulher Melancia. Mulher Morango. Mulher Jaca. A feira é completa e variada. O feirante capricha nas ofertas: paga a bunda, leva o peito, arremata a coxa. Chacoalha tudo. Mulher para comer aos pedaços. Raw food. Aceitamos cartão de crédito!

O fenômeno das mulheres hortifrúti invadiu a cena alimentar brasileira. De costas, para quem não viu. Mulheres-suporte remexem seu bumbum-celebridade com entusiasmo nunca visto. No ponto alto da performance, ela – a bunda – é quem está de frente para a plateia. Olhos e boca, peitos e barriga, em geral importantes elementos na composição dos espetáculos rebolativos, aqui se acanham e cedem lugar à protagonista. Se ainda restava alguma dúvida, o funk nos joga na cara: a bunda é o poder!

“Onde este mundo vai parar?” “Imaginem: chamar a mulher de filé!” “Que horror: usar o corpo desse jeito!” “Só podia ser coisa do funk!” Pois eu acho que Mr. Catra, ao passar o cartão de crédito no bumbum da Mulher Filé, está dando uma imensa contribuição às reflexões sobre o projeto de feminilidade propagado pela mídia contemporânea. Afinal, essa imagem sintetiza, como poucas, o ideal de consumo que sorvemos mensalmente nas páginas das revistas: o corpo turbinado, representação da mulher poderosa, em relação obscena com um cartão de crédito. Nada mais preciso.

Ou existe alguma dúvida de que o corpo saradão, sujeito a toda sorte de intervenções médicas e estéticas, é o que faz a roda da mídia feminina girar? A fronteira que separa o sucesso do fracasso? Por que os closes de pedaços de corpos erotizados, que se pretendem modelos, não nos choca nas páginas das revistas “chiques”? E encarar que o bumbum da Mulher Melancia seja objeto de desejo de tantas jovens nos parece curioso? Da mesma forma, não vejo muita diferença entre chamar a mulher de jaca ou filé e colocar uma modelo dentro de uma forma de brigadeiro para vender xampu. A não ser o fato de as primeiras serem produzidas pelos “excluídos” do funk e as segundas pelos “incluídos” da publicidade, com suas artimanhas discursivas tão mais sofisticadas.

A crueza do funk não deve ser vista como uma aberração, mas como um convite a entrarmos em contato com a realidade de que a construção da subjetividade via corpo sedutor ainda move o feminino no século 21. Não por acaso, no site das três maiores revistas femininas do país, a busca pela palavra-chave “corpo” produz cinco vezes mais ocorrências do que “mente”; 11 vezes mais ocorrências do que “política”; 23 vezes mais ocorrências do que “solidariedade”. Viva o banho de realidade da bunda do funk!


É nos peitos da Melão, no bumbum da Melancia e nas pernas da Jaca que muitas garotas têm se espelhado – várias daquelas que antes sonhavam com a magreza das modelos. Será que finalmente o padrão de beleza está ficando mais democrático? Infelizmente, os especialistas não pensam que seja isso, mas sim uma pura e simples razão de mercado. “Se o único padrão de beleza fosse a magreza, todo mundo só venderia produtos para emagrecer, mas, existindo vários padrões, você pode vender para engordar”, diz Everardo Rocha, professor da PUC-Rio e especialista em antropologia do consumo. Em outras palavras, os corpos estão sempre à venda. Seja o das modelos esqueléticas ou o das gostosas.

.vai quereer?

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